Não espere de
ninguém – nem mesmo das pessoas mais próximas de você, as que ama e pelas quais
desceria até os portões do Inferno para resgata-las – reconhecimento pelo o que
fez, pelo o que disse, é e faz. Não espere de ninguém aquilo que só você mesmo
pode lhe dar: Olhe-se no espelho, não por um lapso de tempo, mas de forma lenta
e demorada como é a mutação da criação da vida em si. Dê-se tempo de olhar cada
detalhe do seu rosto: se já conta com rugas e cabelos brancos, os veja de forma
consciente e não como sofrimento: o tempo age sobre tudo, até mesmo sobre o Espaço.
Olhe sobretudo seus olhos e veja o que eles mostram, o que eles lhe mostram:
sábio foi o poeta que disse que os “olhos são a janela para a alma”, e dessa
janela, através dessa janela que você irá ver quem realmente é. Não importa a
cor, não importa o formato, mas sim, importa o brilho e o que sua alma ali é
refletida. Não espere de ninguém o reconhecimento pelo o que veio a se tornar,
pelo o que é; não espere salvas ou medalhas pelas batalhas que travou e ainda
trava: elas não dizem realmente quem você é, pois são incapazes de dizer o que
se passou dentro de si quando chegou o momento de decidir em que direção ir e
quando finalmente – acredite a fatura sempre chega, para alguns antes, para
outros, com certo atraso visto por outros, mas ela chega – o preço lhe foi
cobrado por tal caminho, por tal decisão. Não acalente seus erros – conselho fácil
de ser dado e extremamente difícil de ser seguido, seja por que lhe dá, seja
para quem é dado: “arrependa-se dos seus erros, tente se desculpar, procure
aprender com os seus próprios erros” – é impossível aprender sem tentar, e mais
impossível ainda tentar e não errar; tão pouco é impossível não errar: é isso que
nos torna humanos, por vezes, demasiadamente humanos – “mas de forma alguma
acalente, nutre, viva no seu erro como se ele lhe fosse necessário: não é sábio
tentar se limpar usando a sujeira”.
Não espere
reconhecimento pelos seus méritos, não espere piedade pelas suas dores e
sofrimentos: nada pior e maléfico do que a doutrina que acredita que devemos
sofrer e quanto mais sofredores, mais merecedores seremos de algo melhor no
futuro, ou para alguns, em outra vida, ou outras vidas: isso nos torna escravos
da miséria, isso nos torna reféns de nossa própria dor e miséria e reféns daqueles
que irão se sentir no dever de serem nossos salvadores, não por nobreza de
coração, mas por pura vaidade pessoal em serem salvadores em si.
Somente olhando
dentro de nossa própria alma, através da dura e sofrida experiência de nos ver no
espelho, sem maquiagem, penumbra, piedade,
autocomiseração, olhando nos nossos próprios olhos, e que iremos
realmente saber quem somos, no que nos tornamos e termos condições de sentir
orgulho ou nojo: acredite, não há outros dois sentimentos humanos que se possa
sentir por si mesmo. O nojo é algo rápido, como uma náusea imediata, que nos
faz desviar os olhos do espelho e voltarmos a não olharmos pra nós mesmos, por
sabermos que não fizemos o que deveríamos ter feito que não nos tornamos o que
deveríamos ter nos tornado, que não lutamos contra o nosso pior inimigo, nosso
EU e por fim nos deixamos ser vencidos por nós mesmos e aceitamos ser o que
sabemos que não deveríamos. O nojo é o que podemos vir a sentir se não
tivermos, ainda que sido jogados no chão pela vida – e a vida não é algo
concreto ou inanimado, uma entidade, uma sensação, mas sim as nossas decisões,
os nossos caminhos, os nossos erros e acertos – e não tivermos tido coragem de
nos levantar, e nos levantar novamente e uma vez além da vez que formos jogados
no chão.
O nojo que se
sente ao se olhar no espelho, ainda que tão somente suportado por uma fração de
segundo - como o tempo necessário para
que uma estrela que viveu por bilhões de anos por fim morra - afinal, temos vergonha do que vemos em nós
mesmos, do que a janela da nossa alma nos mostra, é a tradução de tudo aquilo
que aceitamos, deixamos que nos fizessem, é tudo aquilo que nos faz não viver a
vida de forma plena, seja qual vida for, da mais simples como do agricultor que acorda ainda com o sol
dormindo e com sua enxada vai buscar com o suor do seu corpo o seu sustento e o
de sua família, ou do que acorda já como sol alto e com o seu cérebro produz
riquezas financeiras e gera uma corrente de benefícios para milhares de
pessoas: não se mede uma pessoa pelo o que ela tem em seu bolso, em sua
garagem, pela sua formação profissional, pela sua capacidade de decifrar
códigos genéticos ou sua incapacidade de simplesmente ler. Pessoas não medidas
por medidas mensuráveis fisicamente, mas sim por medidas que são imensuráveis.
O nojo que se sente ao se ver no espelho, e quase imediatamente desviar os
olhos, é decorrente da vergonha do que se enxerga realmente em si mesmo.
Mas para aqueles
que, mesmo já com o rosto sulcado por rugas, cabelos brancos, poucas posses ou contas
bancárias milionárias, boias fria ou cirurgiões, engenheiros espaciais ou
simples garis, para aqueles que ao se virem no espelho são capazes de não
fugirem da sua própria imagem, daquilo que realmente é ali refletido, daquilo
que é claramente mostrado - como o
nascer do sol rasgando a noite anterior e inundando o quarto através do quarto
sem cortinas – aqueles que enxergam nos seus olhos a verdade do seu ser, esses
são os que podem e devem se orgulhar do que são, e o do que vieram a se tornar.
Orgulhosos de não viveram a vida jogando um dia sobre o outro sem pensar no que
haviam feito antes ou das consequências de suas decisões e atos sobre si e
sobre a vida de outras pessoas.
Não espere
reconhecimento, medalhas, honras, palavras, olhares, diplomas ou qualquer outra
forma de reconhecimento de outra pessoa, de outras pessoas, sejam elas quem
forem;
Só você é capaz
de saber o valor que tem só você é capaz de sentir ou não orgulho pelas
decisões que tomou e o quanto elas lhe custou. Só você é capaz de olhar nos
seus próprios olhos e saber quem de fato é: desta forma, se busca reconhecimento,
tenha coragem e se olhe atentamente em um espelho, e olhe na profundeza de seus
olhos, no interior de sua alma. Esse é o único e real reconhecimento que irá
ter durante a vida: saber quem é, que se esforçou, ainda que não tenha tido
sucesso, que não acumulou dias os jogando sobre os já vividos como meio de não
parar para compreender, dimensionar, refletir e se arrepender ou não do que fez
no passado. Saiba que é, quem de fato é. Todo o resto é somente o que pessoas
que não viveram o que sentiu, passou e fez irão lhe dizer, de forma às vezes
cruel é dura, se piedade, ou de forma lisonjeira, mas nem sempre verdadeira.
Acredite só você
sabe a dor de ser quem é, e o preço que pagou por ser quem se tornou, e se é
capaz de se olhar no espelho e não sentir nojo de si mesmo está no caminho
certo.
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